domingo, 18 de setembro de 2011

Quantos Anos tem a Rainha do Mar?


Que idade devemos ter para nos apaixonar? Que idade deve ter a pessoa amada para merecer esse amor? O que o tempo nos acrescenta além de cabelos brancos, dores no corpo e experiências a serem lembradas?

Questões dessa natureza invadiram a cabeça de Cora enquanto fazia o cabelo. Hoje ela pintou as madeixas brancas, lavou o cabelo retinto bem lavado, enxugou e ficou aguardando pacientemente sua vez de entregá-lo às mãos experientes de Conceição, que iria espichá-lo. Queria ficar bem arrumada para ir à festa à noite.

Cora era a mais velha das clientes do salão de beleza e muitas vezes as outras mulheres pediam sua opinião sobre os fatos mais inusitados, por considerarem sua experiência algo de um valor inestimável para elas.

Com o passar do tempo ela foi se dando conta desta condição imposta pelo tempo. Cora percebeu que a juventude era muitas vezes cruel com as pessoas mais velhas. De repente as pessoas começaram a chamá-la de “tia”, mesmo sem serem seus sobrinhos. Ela achava que estava muito bem de aparência, exceto pelo surgimento de alguns cabelos brancos, ela olhava no espelho e não percebia tanta velhice assim.

Mas as pessoas eram implacáveis, nas filas a deixavam passar em suas frentes afirmando que este era seu direito conquistado. Nas festas a chamavam de “coroa animada” quando ela dançava o passo da nova coreografia aprendida. A todo o momento a faziam lembrar que não era mais uma menina e embora ela bem soubesse disso, achava que não precisava ser lembrada desta forma.

Por conta dessa situação, que começou a irritá-la, Cora traçou um plano sórdido, ela iria sair à procura de conquistar um homem mais jovem, iria fazê-lo se apaixonar por ela, para com isso não deixar dúvidas em ninguém do absurdo deste marcador cronológico em sua vida.

E por pensar assim ela pintou e fez o cabelo, a sobrancelha, as unhas e pernas, colocou três camisinhas na bolsa e partiu para a festa da Conceição da Praia. Disse às outras que ia a missa, mas foi mesmo pra festa de Largo e procurou a barraca mais lotada a fim de ser paquerada. Ela estava bastante perfumada e com uma maquiagem bem pesada.

Muitos homens se aproximaram dela naquela noite, mas eles não tinham a idade que Cora procurava. E foi quando ela já estava quase desistindo, pensando mesmo em ir embora, pois já era meia noite, que apareceu aquele belo rapaz. O jovem era um homem forte, parecia um capoeirista, tinha um sorriso largo e os olhos extremamente vivos e pretos. Quando ele sorriu pra ela, seu coração disparou a galope, era ele o moço a quem ela iria se entregar naquela noite.

O moço logo puxou conversa e Cora percebeu que ele tinha pouco estudo, pelos erros do português que o jovem falava. Em seguida percebeu que ele tinha pouco dinheiro, pois na hora de pagar a conta ele deixou que ela sozinha pagasse. Mas, ele deveria ser um bom amante, pois suas mãos seguraram o braço de Cora com bastante firmeza e determinação que há muito tempo ela não sentia.

Foram a um motel na Barroquinha e lá o jovem não resistiu ao uso da camisinha e Cora teve uma longa noite de amor e orgia. Pela manhã o rapaz disse a Cora que tinha sido roubado e por isso não poderia pagar a conta do motel e Cora pagou sozinha. Depois desta noite eles se encontraram muitas vezes, no mesmo motel e agora Cora nem esperava mais que ele pagasse a conta ela já se adiantava e fazia.

Um dia o rapaz pediu pra conhecer a família de Cora e ela ficou preocupada, afinal o que as amigas iriam pensar? Ela mesma não sabia o que pensar, estaria ela apaixonada a ponto de revelar esse sentimento e compartilhar daquela experiência com as outras pessoas? Cora disse ao moço que iria pensar, pois ainda tinha dúvidas do seu sentimento. O moço jurou estar apaixonado por ela e até ficou zangado com seu descaso.

O que Cora queria não era se apaixonar era simplesmente demonstrar sua teoria para as amigas e vizinhas. Mas o rapaz não entendeu se zangou e desapareceu e Cora ficou semanas sem notícias dele. Cora sentiu muito sua falta e quando se reencontraram ela pediu que ele falasse mais um pouco de sua vida, pois mal se conheciam para que dessem um passo mais ousado como aquele.

O rapaz contou que era filho de Cachoeira, que veio pra Bahia trabalhar vendendo fumo na Feira de São Joaquim, ele era Nagô.

Nesse ponto meu caro leitor cumpre-me explicar o significado de ser Nagô na Bahia, faço isso por considerar que a identidade afirmada de um povo deve ser respeitada e embora aos olhos racializados todos os negros possam parecer iguais, enganam-se aqueles que assim pensam e furtam-se em compreender a diversidade de mundos que aportou e convive na Bahia. Desconhecer a riqueza presente nessa diversidade é o mesmo que sufocar até a morte um grande destino.

Milhões de negros e negras encobertos por suas peles retintas, trazendo dentro de si e em seu imaginário inúmeros símbolos e significados, que os diferencia em minúcias, invisíveis aos olhos, mas extremamente imprescindíveis de serem consideradas por aqueles que desejam conhecê-los.

Os Nagôs formaram-se a partir de um tronco comum de povos que falavam uma mesma língua, o iorubá. Muitos se instalaram no Recôncavo baiano e trabalharam no comércio do fumo, pois este era um artigo muito apreciado pelos negros, por isso era utilizado pelos europeus para pagamento dos traficantes no comércio de escravizados da época colonial.

Tal comércio fez da Bahia a capital mundial do fumo e da população negra uma presença de ponta a ponta neste estado. Assim, Ketu, Egba, Egbado, e Sabé são alguns dos segmentos Nagôs que vieram para a Bahia provenientes da grande área iorubá que compreende sul e centro da atual República do Benin, ex-Daomé; parte da República do Togo: e todo sudoeste da Nigéria. Ou seja, caro leitor, a Bahia recebeu uma África diversa em suas terras.

E todos eles - com destaque para os Kètu contribuíram decisivamente para e implantação da cultura Nagô neste Estado, reconstituindo suas instituições e procurando adaptá-las ao novo meio, com o máximo de fidelidade aos padrões básicos de origem, fidelidade essa em parte facilitada pelo Atlântico Negro, intenso comércio que se desenvolveu entre a Bahia e a costa ocidental da África durante todo o século XIX até os primeiros anos que se seguiram à Abolição e mesmo até os dias de hoje.

Enquanto os europeus mandavam seus filhos estudar na Europa para tornarem-se doutores, os negros mandavam seus filhos para a África para tornarem-se doutores, tradutores e mantenedores de sua cultura, aqui, bem próximo da sua casa, caro leitor.

Para entender o predomínio da etnia Iorubá-nagô na Bahia é necessário recordar que, nas últimas décadas do tráfico negreiro, um enorme contingente de escravizados dessa região foi trazida para Salvador. Nesse momento, os núcleos familiares também não foram tão desmembrados como no início da escravatura, permitindo uma maior manutenção da cultura e dos costumes. Famílias e reinados inteiros foram transplantados para o Recôncavo.

Nos dizeres de Edison Carneiro, no clássico “Candomblés da Bahia”: "Os nagôs logo se constituíram numa espécie de elite e não encontraram dificuldades de impor à massa escrava a sua religião". A própria Màe Aninha Obá Biyi era filha de um casal de africanos da etnia Grunci, os negros Aniyó e Azambiyó, mas foi iniciada no candomblé pelos Nagôs da venerável Casa Branca do Engenho Velho da Federação.

Histórias do povo da Bahia, meu caro leitor, coisas que não se aprende na escola tradicional, coisas que aprendemos nos terreiros de Candomblé, nossa verdadeira escola.

Mas, esse moço se interessou realmente por Cora, ele se chamava Jorge e disse ser Nagô, comerciante de fumo vindo de Cachoeira. Ele foi roubado na Feira de São Joaquim e quando saiu para procurar aquele que lhe roubou, encontrou Cora, mulher bonita, perfumada e carinhosa como nenhuma outra. Jorge logo se encantou e ficou com ela o tempo que ela quis. Agora estavam finalmente conversando e se conhecendo.

Ele era Ogã de um Terreiro Nagô em Cachoeira, era um homem de Xangô. Cora se encantou com sua história e resolveu assumir seu romance com Jorge. Então levou-o para conhecer sua família e suas amigas. As pessoas logo se admiraram com a diferença de idade do casal, mas não se importaram por ver Cora feliz, como nunca a tinham visto antes.

Ele veio morar com ela em Salvador, aqui tem uma barraca de fumo na Feira de São Joaquim e passou a frequentar o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, a nossa catedral, a venerável Casa Branca do Engenho Velho da Federação.

Para lá ele levou Cora e agora ela é Ekedy de Oxaguian, cuida do jovem Oxalá, pois de juventude ela entende e sabe como agradar!

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