São muitas histórias, parecidas, próximas, vivências de mulheres negras da Bahia. Experiências que nos dão subsídios até para um campo teórico: " a partir do ponto de vista das mulheres negras... "
Mas neste espaço quero falar da história de sete mulheres, são elas:
Joana a madrinha, Maria Helena a amiga, Conceição a mais jovem, Corinta a mais velha, Cândida a polêmica, Rosa a que nunca engorda e Joanete a poetisa. Essas mulheres raramente se encontravam assim todas reunidas, exceto aos sábados na casa de Corinta quando iam "fazer o cabelo".
Devo ainda trazer algumas explicações, aos de fora, pois muitos termos que utilizo são comuns na comunidade negra e outros são próprios, creio eu, deste grupo de mulheres. Vale dizer, que elas tinham algo em comum, além da cor da pele, que era o fato de serem ou já terem sido, todas elas, empregadas domésticas na casa dos "brancos".
Essa era a experiência compartilhada por todas a ponto de às vezes elas simplesmente não falarem algumas palavras, apenas gesticulavam, contorciam o corpo, entortavam a boca ou apertavam os olhos e todas riam ou se indignavam, entendendo o código comum entre uma história ou outra, em suas lutas diárias com o universo "branco", sexista e racista de Salvador.
Então vou começar apresentando cada uma dessas mulheres para depois detalhar algumas de suas histórias preferidas. São casos comuns que você encontra todo dia nas ruas, em casa, nos mais diversos espaços e muitas vezes até diante do espelho.
Joana era comadre de muitas famílias do local, ela era mãe de santo, feiticeira, querida, respeitada na comunidade. Tinha uma risada gostosa, que começava alto e depois ia afinando até acabar. A casa dela era sempre bem arrumada, cheirosa, com flores no jarro e muitas fotografias pela parede. Ela era casada com Dioclécio, um mestre de obras dos bons. Foi ele que construiu as melhores casas da invasão. Um dia Dioclécio recebeu um convite e foi trabalhar no Rio de Janeiro e de lá mandava dinheiro pra Joana. Eles se amavam, Joana só tinha elogios para Dioclécio: “Meu nêgo...ah! Dió...hum hum!".
Nos sábados elas se encontravam na casa de Corinta, quando Conceição "fazia o cabelo" de todas. Fazer o cabelo significa dizer que elas dominavam uma tecnologia ultra moderna na época, pois passavam por um processo de alisamento de suas madeixas crespas através de um ferro quente, esse ferro era aquecido no fogo e tinha variados formatos: de prancha, pente ou um ferro específico para cachear, depois que o cabelo fosse bem espichado na prancha. Enquanto Conceição fazia o cabelo de uma delas, as outras aguardavam e a conversa rolava. O sábado, certamente era o dia mais interessante da semana para algumas dessas mulheres, pois neste encontro todas as informações eram colocadas em dia e muito se ria, bebia, ouviam músicas e principalmente falavam dos seus patrões "brancos", dos melhores feitiços e de seus companheiros: os homens negros.
Nós, as crianças não tínhamos o direito de participar dessas conversas, esse não era um espaço permitido às crianças por isso, nessas horas, elas nos liberavam, até nos ameaçavam, nos obrigando praticamente a ficar na rua com um grito ensurdecedor: Vaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai brincar menina!!! Eu já lhe disse que saaaaaaaaaaaaaaaaaaaia daqui! Hum...hum!
Quanto mais alto o tom do grito, mais grave seria o tratamento dado a quem insistisse, pois naquele tempo as mães castigavam as crianças das mais diversas formas, uma vez que, segundo elas: "Orelha não passa cabeça". Elas utilizavam inúmeros provérbios para justificar suas atitudes, coisas que muitas vezes não pareciam ter nenhum sentido, pelo menos para nós, as vítimas.
Entretanto, apesar de tudo isso, eu costumava driblar essa regra me oferecendo para catar o feijão, ou o arroz, ou fazer algum favor pessoal como coçar as costas de uma delas, desembaraçar um cabelo para facilitar o trabalho de Conceição, enfim, coisas que meus braços de crianças davam conta. Assim eu conseguia ouvir as conversas das mulheres adultas e que eu considerava sábias, meu único problema era Maria Helena.
Maria Helena era Gêge, desconfiava de tudo e de todos, para ela as coisas só poderiam ser feitas eternamente de um mesmo modo, pois qualquer mudança poderia acarretar um mal. Ela não sabia que as outras falavam dela pelas costas, falavam de suas manias. Ela era sozinha, virgem, morava só em uma casa que construiu com o suor do seu trabalho, como vendedora de quitutes nas escolas, a casa não tinha luz, pois Maria Helena preferia luz de candeeiros. Sua casa era um mistério para nós crianças, porque Maria Helena não gostava de crianças. Quando me olhava ela me radiografava, e eu me arrepiava, parecia que ela me lia por dentro, eu não tinha como mentir pra Maria Helena. Seus olhos eram pequenos, pretos e penetrantes. Ela me olhava e falava: "Ah! Essa menina tá ai é...cuidado com essa menina Cora, ela é muito curiosa, isso é um perigo! A desculpa do papa-terra é dormir no chão!"(?)
Bom, pretendo contar a vocês os casos que ouvi nesse período, sobre cada uma dessas mulheres, suas estratégias de superação da discriminação racial e de gênero. Naquele tempo eram só casos e se vocês quiserem saber mais, por favor me dêem um retorno, pois não pretendo enviar a quem não se interesse. O objetivo é colocar no Blog e depois organizar uma publicação com essas e outras histórias, mas para tanto, espero contar com sua ajuda!
Brava!!!
ResponderExcluirquero ler estas histórias. zallacsiel.avlys@gmail.com
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