sábado, 20 de dezembro de 2014

Futebol X TPM

Estou só no vinho, mas o problema do vinho é que me dá ataque de sinceridade...um perigo!
Começo dizendo que já joguei futebol no ensino médio, um timinho inventado, eu queria que as meninas jogassem e competissem com outros times de meninas.
Os meninos tiravam a maior onda com nosso time, riam de tudo, mas o técnico era um menino que só faltava arrancar os cabelos com nossas jogadas. ...
Na verdade nós nem ouvíamos o que ele dizia, ouvíamos um som como o da professora de Charlie Brown...
Nosso time era um fra-cas-so, mas eu lá nem ai!!! Por isso compreendo nossos jogadores.
E falo como os pernambucanos: "Não importa o que digam os juizes, nosso time é o mais feliz!"
Nós éramos completamente sem noção, chutávamos a bola pra qualquer, qualquer mesmo, lugar e as vezes íamos todas em cima da bola aos griiiitos!
Devo confessar que terminava o jogo morrendo de dor de brriga de tanto rir.
Agora vendo esse time brasileiro, penso que deveríamos ter disputado uma copa também... tanto talento perdido...só ficaram os griitos!

sábado, 25 de outubro de 2014

A madrinha de minha mãe


Quando criança, em Nazaré, nós não sabíamos que éramos de Candomblé (Reis, 2014), toda comunidade vivia daquele jeito. Minha madrinha era rezadeira renomada na cidade, não tinha doente que ela não levantasse do leito de morte. A casa dela era um sobrado perto do Batatan, tinha uma loja onde tudo acontecia. Ás vezes eu ia dormir e o batuque continuava lá, cedinho era acordada pra ir buscar água na fonte, depois da escola ia buscar folhas na beira do rio e quando chegava desfolhava as folhas para os banhos, jogava milho pras galinhas, alimentava os bodes, levava roupa de ração pra lavar no rio e ia sempre cantando em Nagô.
 
Minha madrinha muitas vezes explicava as coisas, falando baixinho, fixando o olhar pra gente aprender, na cozinha tinha sempre comida pro povo da casa e pra quem chegasse, éramos muito pobres mas não havia fome como aqui, criança não passava fome, comíamos tudo que se encontrasse em nosso caminho: jaca, caju, castanha, tomate verde com sal, manga pêca, farinha do mercado, melão de Santo Antonio no caminho do rio, algumas coisas não eram comestíveis, cuspíamos logo fora. Minha madrinha era convidada pra tudo quanto é festa da cidade: casamento, batizado, aliás ela tinha muitos afilhados... e só uma filha que herdou seu santo e eu que herdei os provérbios e as rezas dela, sei todas. Se chamava Durvalina e eu tinha muito orgulho de ser afilhada dela (D. Candida, 2014).
 
Tio Zé Pinto era Ogã da casa e não faltava em nenhuma obrigação. Ele era um homem rico, para nossos padrões, porque ele tinha uma barraca de farinha na feira, tinha carro-de-boi e vendia água pra casa dos brancos. As festas na casa dele varavam a noite e ele mandava matar um boi, era quando toda comunidade comia e levava ainda carne pra casa.
 
Minha madrinha cantava com sua voz rouca e olhava pro céu de olhos fechados tentando lembrar toda melodia em Iorubá, a língua dos nossos antepassados, lembro que ela sempre agradecia a Zambê ao final. Era uma mulher negra, gorda, muito bonita, desejada e tio Zé Pinto era um homem negro, retinto, casado com uma branca metida, mas acho que eles tinham um caso.
 
Eu demorava semanas pra voltar pra casa, preferia ficar na casa de minha madrinha, pois lá ninguém me batia, já em casa era um sapeca Iáiá por qualquer coisa. Em casa as mais velhas eram responsabilizadas pelo que acontecesse com os mais novos e eles sempre aprontavam, minha saída era fugir pra casa de minha madrinha e se  minha mãe fosse me buscar ela não deixava eu ir e dizia: -Deixa a menina Antonia você sabe que ela tem caminho e obrigação aqui com o santo dela.
 
Bastava isso e minha mãe deixava, mudava de idéia e ia conformada, ela sabia que eu estava em boas mãos, as mãos de Durvalina Oyá.
 
O alabê da casa se chamava Zé Reis, mas todos o chamavam de Réis, referência ao dinheiro da época. Seu Zé era tocador esperado em muitas festas da região e minha madrinha às vezes ia com ele em outros Candomblés. Quando ela chegava o couro dobrava, muita gente virava no santo e ela sorria com a mão nas cadeiras, de repente entrava na roda e dançava sorrindo como ninguém. Na sua dança muita gente tonteava, o vento balançava as bandeirolas que enfeitavam a casa e os alabês tocavam com vontade, todos batiam palmas e a festa sempre ficava animada.
 
D. Durvalina de Oyá era mulher negra, rotunda e feiticeira que fazia questão de ninguém esquecê-la.

sábado, 23 de agosto de 2014

Disseram-me que a criança chegou na escola, na semana do dia dos pais, em uma dessas nossas escolas que não querem saber de nada sobre nossas crianças e disse que o pai dela chamava-se "Caboclo", nome comum aqui na Bahia para se referir a alguns homens.
Mas, quando foi interpelada pela professora e pelos colegas, que sabiam que ela não tinha pai e começaram a zombar mesmo dela, chorando ela falou: minha avó tem um Caboclo e ela disse que quem criou todos nós foi ele "Senhor Sultão das Matas", meu pai.
Que pena que nossas escolas não aprendem nada com nossas crianças....
 
 

O Retrato de Dorian Grey

A sexualidade mexe com a cabeça da gente, a dos outros e principalmente a nossa, o que nos assusta acho que é o padrão heteronormativo que nos obriga a acreditar na necessidade de uma definição que vem seguida da necessidade de defendê-la diante das demais. Observo os outros e me observo naquilo que me dá mais prazer na vida e no corpo,... naquilo que implica uma definição sexualizada e de gênero diante das possibilidades de prazer real ou imaginário. Aqueles que se consideram felizes com suas escolhas tendem a querer que os outros também escolham essa forma de felicidade e identificam nas representações estereotipadas do gênero o que melhor poderá lhe satisfazer e qual identidade você apresenta e deve assumir, como fizeram com Dorian. Isso também pode se tornar uma forma de opressão. 

 Acontece que a identidade não é só o que os outros vêem, mas é principalmente como e com o que você se identifica, como num jogo de espelhos. Nem sempre o que você vê é o que você é e nem sempre o que você é apresenta-se visivel aos olhos, nem mesmo aos seus e pior, nem sempre o que você é, é o que gostaria de ser. Acredito que a melhor maneira de deixar alguém feliz é permitir-se ficar bem, diante daquilo com o que ele se identifique naquele momento, até porque a correnteza passa e leva tanta coisa, o tempo é inexorável, as larvas viram casulos e borboletas enfeitam o mundo, principalmente quando livres!
 

domingo, 5 de janeiro de 2014

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS ÁUREAS: A BRANCA


 
Uma mulher branca entrou no salão com sacolas de compras na mão, ela queria fazer o cabelo, queria alisá-lo mais, pois considerava seus cachos desprezíveis, pretendia ir numa festa à noite e alisar o cabelo com ferro quente pareceu ser o método mais rápido e barato naquele momento, sua única preocupação era com o cheiro que deixaria depois.

As mulheres negras ficaram em silêncio esperando a reação de Conceição, será que ela iria aceitar essa tarefa? O salão era frequentado principalmente por mulheres negras, até porque na comunidade não moravam muitas mulheres consideradas brancas, poucas famílias se colocavam neste lugar e poderiam ser vistas como tal.

Para as mulheres que se consideravam brancas também não era fácil lidar com essas diferenças, mesmo morando na mesma rua da comunidade. Elas se sentiam fracassadas e que aquele não deveria ser o seu lugar, então investiam em tudo que podiam para que seus filhos tivessem outras opções. Ao mesmo tempo, elas não conseguiam frequentar as festas do bairro e os demais espaços sociais ali existentes. Iam apenas à Igreja.

Na Igreja rezavam, cantavam e na hora de dar as mãos para o Pai Nosso ou para ‘saudar uns aos outros’, elas saudavam e pareciam realmente acreditar naquilo tudo, mas só lá. As crianças brancas faziam companhia a seus pais e de cedo iam aprendendo com eles a agir da mesma forma.

A mulher branca se chamava Áurea e seu marido trabalhava em uma firma, por isso ela não precisava trabalhar como as demais mulheres, suas amigas eram principalmente outras mulheres brancas da cidade alta, suas primas, irmãs e demais parentes, por essas ela tinha verdadeira admiração. Na comunidade do Barro Vermelho as relações dela era com algumas vizinhas que lhes prestavam pequenos serviços, de costura, de manicure e de faxina.

Ela sabia que era diferente das demais, considerava-se superior às outras mulheres e entendia que sua pele clara lhe conferia tal superioridade, por conta disso tudo que as mulheres negras falavam parecia, do seu ponto de vista, algo que só pertencia a tais mulheres, ela não entendia e não pretendia entender.

Contudo, Áurea afirmava que não percebia que a cor lhe conferia tais privilégios, pois quando ia ao mercado da comunidade todos queriam atende-la, na padaria agiam da mesma forma, na farmácia idem, na escola de seus filhos só recebia elogios, apesar de considerar que aquele não era o seu lugar, pensava que esse tratamento era dispensado a todos, da mesma forma e não acreditava nas histórias de racismo contadas pelas mulheres negras.

Talvez fosse a forma como as negras se vestiam, como arrumavam os cabelos, falavam, agiam. Pensava inclusive que as mulheres negras se faziam de vítimas e que viam racismo e discriminação em tudo, ou pior, que as negras sim é que se auto discriminavam e cometiam ‘racismo ao contrário’ quando apontavam as situações de privilégio que ela vivia.

Sim, meu caro leitor, esse é um mundo difícil para se falar de racismo, não era possível falar a mesma língua, nem se quer entender certas situações. Pois os brancos não acreditam que isso exista, eles não sentem e não veem, embora não se cansem de cometê-lo e os negros sozinhos não conseguirão destruí-lo, pois estamos impregnados de seus efeitos.

Nesse ponto tenho que te explicar que isso não é uma invenção nossa, pois racismo existe desde que o mundo é mundo ele é a convicção sobre a superioridade de determinadas raças, com base em diferentes motivações, em especial as características físicas e outros traços do comportamento humano. É uma opinião não científica sobre a raça humana, apesar de ter sido durante muito tempo reforçado pela ciência. O racismo leva determinados grupos a uma tomada de posição depreciativa e, frequentemente violenta, relativa a outros grupos por essa ideia de hierarquia das raças.

Apesar de atitudes racistas sempre terem existido na humanidade, muitas vezes como reação de defesa de uma comunidade contra a invasão pacífica ou não de outra diferente dela, o fenômeno do racismo se agudizou e na época moderna ganhou novos aspectos, especialmente com a política colonialista das potências europeias.

A crise econômica e a pressão demográfica costumam ser motivo de problemas raciais mais ou menos graves, como sucede na Grã-Bretanha com os imigrantes, na França com os norte-africanos, na Alemanha com os turcos ou na Espanha com a população cigana e os trabalhadores negros ilegais.

O preconceito racial está relacionado com conceitos como homofobia, xenofobia, bullying racista, entre outros muito debatidos na atualidade. Embora não haja nenhuma comprovação de uma determinada raça ser superior ou inferior à outra, pessoas em todo o mundo foram atingidas por grupos que se consideravam superiores.

Historicamente, o racismo foi uma forma de justificar o domínio de determinados povos sobre outros, como aconteceu no período de escravidão, colonialismo e nos genocídios ocorridos ao longo da história. No século XX, algumas formas de racismo como o Nazismo e o Apartheid marcaram a história.

O racismo como componente básico da política de um país, levou a Alemanha nacional-socialista à perseguição e extermínio dos povos judeus, ciganos, eslavos, etc. A intenção dos nazistas era exterminar os judeus, com base em argumentos sobre a superioridade da raça germânica. O antissemitismo levou a uma perseguição desenfreada e exterminação de milhões de judeus e de outros povos, culminando na Segunda Guerra Mundial.

O Apartheid também foi um sistema de segregação da população negra, que vigorou entre 1948 e 1994, comandado pela minoria branca na África do Sul. A política racista do apartheid, pretendia impedir todo o relacionamento entre os indivíduos de "raças" diferentes e submeter a maioria da população a uma reduzida minoria caucasiana.

Então não é uma coisa simples, meu caro leitor, quando falamos de racismo, mesmo da forma como ele acontece no Brasil, nas relações cotidianas, encoberto pelo mito da democracia racial é uma coisa séria e deveria ser tratado com seriedade, pois está sempre relacionado ao poder de uns sobre outros. E muitos não querem ver para não perderem seus privilégios.

Portanto, quando Áurea dizia não se ver como branca e sim como ‘pessoa’, imaginava que nós mulheres negras não éramos ‘pessoa’, pois precisávamos evoluir e nos vermos também da mesma forma. Mas, para sermos essa ‘pessoa’ que a branca imaginava, nossa evolução precisava passar por uma transformação em nossos corpos, mentes e almas, precisávamos nos tornar brancas, isso é racismo, pois jamais seremos brancas e não teríamos que sê-las para sermos ‘pessoa’.

Teríamos que nos vestir como uma pessoa branca, agir, arrumar o cabelo, falar e nos comportarmos como tal, para sermos aceitas, afinal da forma que éramos, agíamos, falávamos e pensávamos isso tudo nos colocava em um lugar diferenciado da maioria das pessoas que ela considerava ‘normais’ e deste outro lugar não havia como não sermos discriminadas, porque fugíamos da norma do que uma ‘pessoa’ deve ser em nossa sociedade, do ponto de vista de Áurea.

O pior foi que muitas mulheres negras acreditavam que a branca estava certa, então passaram a agir, falar, arrumar o cabelo e a se comportar como uma branca, as negras introjetaram o racismo. Imaginavam que com essa estratégia poderiam assim ser tratadas como ‘pessoas’ e não sofreriam discriminação.

Essas não compreendiam porque quando faziam de tudo para parecer uma ‘pessoa’ ainda assim eram maltratadas, desrespeitadas, discriminadas e vistas como coisa? Não viam isso como racismo e buscavam a causa do destrato nelas mesmas.

Pensavam que talvez não estivessem bem arrumadas, ou que agiram, falaram ou se comportaram de forma inadequada, que merecessem tais destratos e se culpabilizavam pelo fato de serem pobres, ou por terem aquele cabelo, aquela pele, que por mais que cuidassem não conseguiriam transformar. Para Áurea algumas mulheres negras até que eram bonitas, exóticas, suas cores fortes, cabelos naturais ao vento, posturas e opiniões polêmicas, inteligentes até.

Mas a maioria se auto discriminava, essa auto discriminação era como uma sabotagem, autofagia, automutilação, um boicote, isso nos foi ensinado ao longo de muitas gerações, aprendemos a não nos vermos como somos a sermos invisíveis e que nosso espelho deveria nos embranquecer e nos mostrar a imagem que a madrasta da Branca de Neve persegue uma imagem que nunca seria nossa verdadeira miragem.

Áurea não compreendia que aprendemos isso com os brancos, pois eles foram bastante eficientes em nos ensinar a não nos vermos como somos a nos odiarmos no que vemos e a nos disfarçarmos naquilo que querem que sejamos. Eficiente estratégia do racismo endógeno, assim um negro aprende a discriminar outros negros e o branco não precisa dizer, nem fazer mais nada, o problema torna-se só nosso e nos torna cada vez mais desunidos.

Mas Áurea adentrou o salão naquele sábado decidida a alisar o cabelo, por isso as mulheres negras se calaram, queriam ouvir suas razões, seu ponto de vista e também não queriam falar de suas histórias diante de alguém que jamais as entenderia. Áurea então perguntou se teria como alisar seu cabelo um pouco mais, com o ferro quente, mas pediu que o ferro estivesse bem limpo, pois ela lavou o cabelo e usou seu melhor shampoo não queria que ficasse com o cheiro do cabelo das outras mulheres, cheiro de couro, segundo ela.

Conceição, com o ferro na mão, vibrou o instrumento no ar e profetizou: “esse ferro é utilizado em cabelos bem mais limpos que o seu, então, por favor, procure outro salão eu é que não vou contaminar meu ferro com suas ideias”.