terça-feira, 24 de agosto de 2010

Às Cabeças Falantes!

Quando criança recebi o apelido de “cabeça falante”, não só por ser uma tagarela mas, este título me foi dado nos momentos em que me metia nas conversas dos adultos, e geralmente, para não ser chamada dessa forma muitas vezes, eu me calei, pois, isso me tolia de fazer muitas perguntas que ficaram sem respostas... Depois que cresci fiquei sabendo, por minha mãe, que a "cabeça falante" era um personagem das festas de largo de Salvador, junto com o "candomblé elétrico" (teatro de marionetes, movido a energia elétrica que representava cenas de um ritual do candomblé).

A “cabeça falante” aparecia para responder às questões mais esquisitas que as pessoas não tinham coragem de perguntar a ninguém e para as quais muita gente especializada não tinha respostas, então o povo dizia: "pergunte a cabeça falante!". Minha mãe era uma assistente fiel da "falante" e a cada ano lhe levava perguntas mais difíceis. Depois de cumprir os afazeres de um dia de serviço como empregada doméstica na casa dos “brancos” ela ia com as colegas ver a "cabeça". Conta minha mãe que a “cabeça” lhe relatou ter vindo da Espanha e perdeu o corpo, porque foi devorada por uma fera furiosa no caminho de Compostela, isso porque minha mãe queria saber da identidade da "cabeça", antes de lhe revelar a sua própria...queria compartilhar seus sentimentos com a sofrida falante. 

Mas, a dita "cabeça", por ser muito especial e inteligente, sobreviveu e foi capturada por um circo que a apresentava nos lugares mais distantes do planeta. Ela cumpria a missão científica e psicoterapêutica de trazer respostas iluminadas e inusitadas para uma diversidade de questões humanas que eram formuladas em público, numa sessão coletiva para uma platéia curiosa, sedenta de respostas e que vivenciava os mesmos temas e problemas que minha mãe. Elas perguntavam: "Porque fizeram isso com você cabeça?" e a "cabeça" respondia... “Eu fui muito curiosa...”

Da mesma forma, nos caminhos da minha vida, busco entender as causas e consequências dos infortúnios a que a população negra de Salvador vivenciou e vivencia, nesses momentos, muitas vezes clamo pela “cabeça”. Seria a “falante” capaz de nos dar respostas para satisfazer a uma platéia tão diversa e tão ávida dos atuais e mais variados temas?

Minha mãe conta que muitas vezes a "cabeça" devolvia a pergunta com uma outra pergunta, uma analogia ou charada e que, portanto, ela voltava pra casa mais confusa e com muito mais questões, na expectativa do retorno da “cabeça falante” para o ano seguinte...
Assim, enquanto “cabeça falante”, nomeada há mais de 40 anos, me disponho a falar nesse espaço e a convidar os leitores/amig@s a compartilhar das minhas reflexões...e a me responderem de acordo com seu imaginário questões que nos atormentam, então, por favor falem, rebanho de Cabeças Falantes!
 
Denize Ribeiro

3 comentários:

  1. Denize, parabéns pela ideia. Belo blog. Belas imagens! Força e coragem. Vou te fazer um convite logo: quero você como conselheira da associação e responsável pela memória dos candomblés daqui de Novos Alagados. Um abraço, Eduardo.

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  2. Denize, a sua determinação com tudo que faz nos dar força e coragem para continuar.A minha luta contra mim mesma em querer desistir do curso é muito forte mais seu intusiasmo nos fortalece. Muito obrgada.
    Seu Blog é realmente muito atraente, gosto dessa cultura afro, e sempre me dedico ao irmão de Luz,para que eles mim fortaleça também, fou filha de yansã menina ochum e um caboclo muito lindo nãose ainda o nome.
    Esse é o meu segredo de ser sempre atenta a tudo.

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  3. Prezada Denize,
    Boa idéia mesmo essa de me me incluir, de novo, na comunidade das "cabeças falantes". Sempre fui uma cabeça falante, mas as perguntas eram lançadas à minha própria cabeça. Fico imaginando eu, na Ilha de Maré, diante do marzão da Baia de Todos os Santos, bem na desembocadura do Paraguaçu formulando minhas primeiras perguntas filo-socio-bio-lógicas...
    Recordo-me que já sabia no auge da minha infância das marés altas e baixas, direção e hora do vento, acompanhava os raios e relâmpagos, sabia do fôlego necessário e do tempo para atravessar o mar até a "cidade". Vixe, muita coisa para uma cabeça falante que adorava ouvir meus mais velhos da Ilha...
    Denize, você é demais!!!! Bjs. Agnaldo Neiva

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